sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Oswaldinho Cruz-Credo - Parte 1

Era apenas mais um dia de trabalho. Sempre achei que estaria a salvo pelo menos no local de trabalho. A salvo de encontrar animais. Depois do Oswaldinho vi que estava completamente enganada. Ele seria apenas um dos animais que surgiriam através das Faculdades e da Escola Técnica Oswaldo Cruz.
Lembro-me que era uma terça-feira. Após o intervalo, que passávamos enfurnados no laboratório de química, peguei meu material e estava indo até a sala de aula. Passei por uma aluna, que disse haver um cão dentro da sala de aula. Não dei atenção. Considerei comentário tolo de aluno. Na porta havia uma aglomeração. Quando consegui entrar vi a cena. Dois seguranças, uma fita zebrada no lugar de um laço, com diâmetro suficiente para laçar um elefante. Um cão cinza, tosado, de gravata e desesperado fugindo do enorme laço. “Ele quer nos morder”, disse um dos seguranças, como se estivesse diante de um animal feroz e absurdamente perigoso. Um aluno chegou a dar um enorme beliscão nas costas dele, que gritou de dor e ficou de barriga pra cima completamente sem ação de tanto medo por alguns segundos. Neste momento eu perdi a calma e o ameacei “Se você fizer isso novamente eu acabo com você!”. O pobre animal estava sendo laçado, estava desesperado e ainda tinha que ser mal tratado? É demais... Finalmente eu me aproximei e o peguei, ele deixou. Tremia muito. Os seguranças, completamente desnorteados, só conseguiram balbuciar algo do tipo: “como você o pegou?”, como se eu tivesse feito algo absurdamente difícil e impossível...  Disse a eles que ficaria com ele. Eles adoraram a idéia, menos trabalho pra eles, que teriam que voltar com aquela fera nos braços até a portaria e atira-lo na rua, local de onde veio. Só que eu precisava dar aula, como ia fazê-lo com ele no colo? Levei até o laboratório. Ao entrar meu chefe me perguntou se eu tinha trazido um cão para o trabalho. Não tinha, ele apareceu. E rapidamente contei a história. O cão ficou trancado numa sala no fundo do laboratório. Logo a história se espalhou. “A Cris deixou um cão na salinha”. E lá vai todo mundo ver. Ele aguardou até o fim das aulas e nos presenteou com pequenas poças de xixi. Hora de ir, mochila nas costas, ele no colo e os diversos comentários dos professores da faculdade, gente de alto nível com salários muito maiores, boas vestimentas e carros novos e limpos. Sem arranhados, claro. E lá fui eu pra casa com aquele cão.

Ao chegar, mais explicações. Agora para minha mãe. “De onde veio isso?”. Fica até difícil de acreditar quando se tem uma filha protelouca. Ainda mais com uma história tão inusitada.
Os primeiros dias foram difíceis. Ele aguardava alguém chegar, ficava sempre atrás da porta, era muito triste. Notávamos que não gostava de mulheres, queria mesmo era ficar com meu irmão, que não lhe dava muita atenção. Aí começaram os problemas. Ele odiava vassouras e rodos. Em muitos momentos não podíamos varrer a casa, ele nos atacava. Sim, “nos” corresponde a nós (eu e minha mãe) e à vassoura e ao rodo. Só gostava do meu irmão. Ele nos mordeu várias vezes. Eu cheguei a pensar em eutanásia. Ele não parecia confiável e, apesar do porte pequeno, mordia pra valer. Lógico que só pensei, não teria coragem. O nome Oswaldinho veio naturalmente. Era inevitável. Até tentei algo um pouco mais chique, como Oswald, mas não pegou. Com o seu comportamento logo virou Oswaldinho Cruz-Credo. Ele ficava de pé rosnando e mostrando os dentes para nós, o que também ajudou na escolha do nome composto.

Oswaldinho é feio. Pensei que seu pêlo cresceria como o de um shih-tzu ou lhasa apso, raças das quais imagino que seja mestiço. Não sei com o que, mas imagino que tenha algo de uma delas. Comecei a chamá-lo de chee-tos. Recebi muitos e-mails de pessoas interessadas em adotar chee-tos, yoki shires e outros. Não que quisessem o Oswaldinho, pelo contrário, queriam ter animais de raça, de graça, sem despesas e mal sabiam escrever o nome da raça. Triste, não é? Pior é que muitas vezes, além de não escrever corretamente, também não pronunciavam da maneira certa. O cúmulo foi receber um telefonema de uma mulher que queria uma lavadora. Neste dia eu não resisti. Mandei que entrasse em contato com as casas Bahia. Depois de anos na proteção animal sua tolerância chega a zero...

to be continued...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ruffus Ralf

O pedófilo novamente... Depois de sua prisão seus cães ficaram soltos no bairro. Comentaram que uma boa cristã, responsável pela manutenção dos cães dele, de vez em quando levava uns pães e bolachas velhos pra alimentá-los. É impressionante como as pessoas são boas. Eu sempre fico admirada – não no bom sentido – com estas atitudes. O destino dos demais é desconhecido. Sei que este foi visto pela minha mãe e tia, que tentaram passar remédio em sua orelha. E sumiu. Eu passei a semana trabalhando em SP em agonia. Onde estará este cão? Uma bicheira na orelha? Tudo que eu queria era limpá-la e salvá-lo. Meu desejo foi atendido. Sábado de manhã, eu estava a meia hora de Tatuí e ele apareceu. Dentro do tubo de escoamento de água da ex-casa da minha tia, vizinha aos meus pais e que eu havia recentemente adquirido para meus gatos. No meu tubo ele apareceu. Um trapo, magro, sujo, espalhando larvas por todo lado ao balançar a cabeça. As larvas comeram grande parte de sua cabeça. O cheiro era insuportável, de podre.


Ele tinha fome, comeu ração seca e carne de latinha. Havia esperança. Fui direto pra agropecuária e comprei os remédios. Eu não podia gastar mais dinheiro. Não tinha. Depois de todos os gastos com o Scott, Magoo, Tess e todos os outros! Também não podia abandonar o pobre cão e deixar as larvas terminarem o banquete. Completamente falida e com todos os remédios necessários iniciei o processo de remoção manual das larvas. Não tinha fim, a pinça ia bem fundo e voltava cheia deles. Eu fazia umas pausas, o cheiro era insuportável e a cena nada agradável. Quando voltava encontrava várias larvas em volta dele. E vazava um líquido, fazia até “splosh” quando se apertava as regiões próximas à bicheira. Algumas horas depois, um banho se fez necessário. Foi bem difícil ficar com ele dentro do banheiro com a porta fechada. Se não houvesse uma platéia desesperada por notícias do lado de fora teria sido bem mais fácil. Mas meus cães são leitores assíduos de “Faros”, a versão canina de “Caras”, e eles sabem que eu sempre trago quentinhas de primeira.


Após o banho ele ganhou uma caixa de papelão de coquinho, o biscoito mais consumido em Tatuí por causa dos meus cães, o substituto de Biscrok, racionado em tempos de vacas magras. E dormiu protegido, aquecido, medicado e minimamente limpo. Eu passei o dia ingerindo a deliciosa solução aquosa de ácido fosfórico, que os não-químicos chamam de Coca-Cola. Depois de tantas larvas não conseguia comer.


Tinha quase certeza que ele não aguentaria. Já estava conformada que era melhor morrer aquecido e não num tubo ou jogado à míngua. Mas ele aguentou. As larvas se foram e o Furanil com açúcar fez o seu papel. Em uma semana o buraco era mínimo. Ele se lembrou de mim, mesmo sem ter me visto durante esta semana. Pulou, chorou, grudou em mim como se fosse meu desde filhote. Mais uma semana e não havia mais buraco! Só existia uma anemia absurda. A gengiva dele estava combinando com seu pêlo branco. Só pode ser doença do carrapato. Eu mesma tomei a liberdade de medicá-lo. Mais uma pequena fortuna deixada na farmácia. Um mês depois ele tinha pêlos em sua cabeça novamente e uma gengiva corada! De início seu nome era Goiabão, muito adequado, é certo, mas de extremo mau gosto. Goiabão foi substituído por Ruffus. Ruffus é um Frodão, primo da minha querida Frida. Seu olhar expressivo me traz lembranças dela, mas não mata as saudades que sinto. Ruffus me enche de amor e gratidão, como só os cães sabem fazer. E, como disse meu pai: de todos os seus cães, ele é o mais legal. Ele tem razão.
Sei que algumas pessoas do bairro perguntaram dele. Queriam saber o destino do cão do suposto pedófilo. A Bete fez a parte dela, disse “deve ter morrido por aí, coitado”. Sempre tive medo que o dono retornasse e o quisesse de volta. Eu não queria devolvê-lo! Um dia ouvimos alguns comentários. Ruffus chamava-se Ralf e seu dono, após ter saído da cadeia, foi morar em São Paulo e se enforcou. Nunca o procurou, nem voltou para saber dele. Sorte minha.