segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Velhinhos do CCZ

Um gato frajola idoso, há tempos no centro de controle de zoonoses (CCZ) de São Paulo. Na famigerada carrocinha. Li sua ficha várias vezes: retirado por ordem judicial. Ele e mais uns 14 gatos, todos adotados. Exceto ele. Quero dizer, ele também foi. Eu me apaixonei por ele, mas demorei muito a chegar. Quando perguntei dele a agente abriu a porta do gatil. Ele relutou em sair de sua bacia plástica quentinha. Mas saiu e veio até a porta. Não saiu da baia, ficou na porta fazendo graça com a língua colocando-a para dentro e para fora várias vezes, enquanto tocava o particular piano felino. Cocei sua cabeça várias vezes e a espera havia terminado. Eu o adotei. Godofredo seria seu nome na breve vida que teríamos juntos. Seria injusto dizer que a Natureza o levou muito cedo. Ele viveu muito, devia ter muitas histórias pra contar. Muitas mesmo. Não queria muito, dormir na cama ao meu lado, olhando nos meus olhos quando eu acordava, estar junto dos outros gatos, uma boa comida e uma pequena volta pela casa, era suficiente para ele. Suficiente para ter um fim digno. Você vai lá e adota os que ninguém quer, se faz de durona, sabe que não viverão muito pela idade avançada, está ciente disso. Chorei tanto quando ele se foi. O destino foi injusto, por não ter cruzado nosso caminho antes, muito antes. Adeus, querido Godô.


Ironicamente não fui ao CCZ por causa dele, mas por uma gata tricolor idosa, cega e sem dentes. Sua baia era mais próxima de entrada e foi a primeira que vi. Não gostou muito de ter seu sono interrompido, ainda mais por uma estranha que quis pegá-la no colo. Ficou assustada e se enrolou escondendo a carinha no meu colo. Sua ficha dizia ter sido retirada de uma casa. Segundo os moradores desta casa, a gata caiu no quintal e não conseguia ir embora por ser cega. Confesso que essa história não cheira bem. A chance da gata ser deles e de terem inventado isso para se livrar de um animal velho e sem função é bem grande. Pra piorar ela deve ter sido muito maltratada. Tem marcas e falta um pedaço da sua boca. Os dentes teriam caído por causa da velhice ou por algum outro motivo?
A atendente, na hora de preencher os papéis da adoção, riu quando preencheu a cor no formulário. “Tartaruga, isso é cor?” Tentei em vão explicar-lhe algo sobre gatos. Insistia que eram gatos de pouco mais de dois anos, olhou-me com cara de espanto quando lhe disse que eram idosos. “Por que não adotar um filhote?” Perda de tempo explicar-lhe meus motivos. Depois riu e repetiu várias vezes que Mae era mãe sem o til. Pra finalizar contou a história da rottweiller que adotou lá da zoonoses. Eu teria ficado mais feliz se o animal não tivesse raça, como as centenas de cães lá à espera de alguém, mas fiquei feliz pelo “adotou”. Muitos outros comprariam um filhote. Nem passei perto do canil. Eu tinha perto de uma centena deles em casa. Com certeza acharia uns 3 ou 4 parecidíssimos com cada um dos meus. Pra piorar sabia que o destino ainda me pregaria algumas peças caninas. Baixei a cabeça, contive as lágrimas e fui embora com os gatos idosos.
Infelizmente era só o que podia fazer pra ajudar.
Mae escolheu uma casinha e nela se instalou. Sua deficiência visual não ajudava muito na adaptação, mas percebia que ela dava sua voltinha na casa, comia, bebia água, fazia as necessidades no lugar considerado errado por mim, mas não por ela, e retornava à caminha. Às vezes trocava de caminha, não sabia se voluntariamente ou involuntariamente, por não ter encontrado a inicial.
Apesar da idade avançada e de todos os indícios de que teria uma vida curta comigo, Mae está ótima. Cada vez mais adaptada, passeando e experimentando todas as caminhas disponíveis.


Todos criticam o CCZ de São Paulo. Eu fui lá e encontrei agentes preocupados com os animais. Encontrei gatos idosos sem chance de adoção ocupando gaiolas... Se eu não os tivesse tirado de lá, continuariam até o fim natural. Aliás, os agentes estavam preocupados que lá morressem naturalmente sem ter novamente um lar. Não é perfeito, mas não é o inferno sobre a Terra. Já visitei muitos abrigos e casas de supostos protetores que me deixaram desesperada com a situação dos animais. Pior, sem chance de sair de lá, apenas se mortos.
Quase dois anos depois desta primeira visita uma outra idosa me faria retornar ao CCZ. Nem foto dela tinha visto, só sabia que era cinza. Fiquei dias elaborando uma lista de nomes: Loretta, Corinne, Connie. Fui até lá, o caminho até o gatil estava todo enfeitado com cartazes incentivando a adoção. No canil também, frases e cartazes coloridos.
No gatil conheci a senhorinha. A veterinária chefe achou um intervalo entre as castrações para me atender. Felino, fêmea, cor predominante cinza, idade presumida 15 anos, complexo gengivite/estomatite, aplicação de depo-medrol recente. Data de entrada: 1 anos antes. Procedência: animal invasor. Local: Rua Aurora, Santa Ifigênia. Havia o nome e o celular do animal humano que fora ameaçado por ela. Vontade de ir até lá tirar satisfação! As cores da minha falecida Cookie... Connie seria seu nome. Foi retirada da gaiola pela veterinária e fez sua graça, se esticou, esfregou, ronronou e ainda ganhou carne de latinha dos agentes do CCZ. Preocupados em me convencer em adotá-la até a pentearam. Como se isso fosse preciso... Connie já morava no meu coração! Adoraram o nome que dei a ela. Fui entrevistada, paguei a taxa e toda a papelada foi preparada. Quando resolvi tudo Connie já estava na bolsa de transporte. Ao sair, um funcionário do CCZ fez questão de me parabenizar e quis saber mais detalhes dela. Com certeza muitos animais lá perderam suas vidas, mas a culpa é de quem os abandonou. A culpa é de quem escolheu por raça ou qualquer característica física. A culpa é daqueles que deixaram nascer animais por puro capricho e não adotaram os que precisavam. De que adianta protestar, gritar, espernear, criticar se você não vai lá e muda a vida de pelo menos um deles? Eu dei uma chance a Godofredo, Mae e Connie. Pouco? Sim. Mas fiz algo. Criei coragem e fui até lá verificar a realidade. Como posso pedir que outros façam algo que eu nunca fiz? Agora posso dizer a todos: eu adotei no CCZ e foi a melhor coisa que fiz! Quando tiver um espacinho sobrando farei novamente! Adotei os que ninguém queria, fiz porque mereciam um fim de vida digno. Sei que vai doer muito perdê-los tão cedo, como foi com meu querido Godô. Mesmo que seja pouco tempo nunca os esquecerei!
            Connie ficou mal humorada nos primeiros dias. Não gostou dos outros gatos. Nada que uns dias e um pouco de paciência não resolvessem. Depois de um ano numa gaiola a espera de um lar, Connie se esticou, andou por toda a casa e pelo quintal. Dormiu ao sol, passeou de noite como costumava fazer lá na Rua Aurora. Ronronou a cada agrado.


Connie Aurora Ifigênia, que a Natureza permita que você me acompanhe por muito tempo!